Precisamos falar sobre as personagens femininas nos livros

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A primeira coisa que eu faço quando acordo, antes mesmo de descobrir que horas são, é olhar meus e-mails, porque quando a gente está publicando um livro nunca se sabe quando algo importante pode chegar. E então eu me deparei com váááários e-mails, só que não era spam ou da Chiado, mas sim do Wattpad (publico Oposição lá para degustação e outra história também, um spinoff de Stellium, Escarlate, mas que não necessita saber a história original para ler. É tudo bem explicadinho pra qualquer um que nunca tenha esbarrado em Oposição consiga entender). Eram todos comentários para Escarlate, uma menina que ia lendo e comentando parte por parte. Estava muito feliz até que... Ela vira e chama a minha personagem de Mary Sue. Vocês devem estar se perguntando: "Ah Thaísa, qual é o problema, todo mundo tem o direito de não gostar de uma personagem". Sim, real, eu mesma tenho vários leitores que odeiam a protagonista de Escarlate, a Aquamarine, mas essa é a proposta dela. Ela foi feita para ser odiada no início, porque ela é realmente detestável. Contando um pouco sobre ela, a Aquamarine vive em uma dimensão onde sua família é a mais rica de todas, portanto seus pais nunca estiveram presentes, sempre ocupados com o trabalho. Ela nasceu tendo dinheiro, fama e status social, mas foi largada pelos pais e criada sem ninguém para dar suporte a ela. Cresceu uma garota esnobe, fútil, metida, humilhando gente pobre e sem nome, não sabe nadar, não sabe cozinhar e limpar, tem uma inteligencia emocional nula e dorme abraçada com travesseiros toda a noite devido ao vazio que a falta da presença dos pais fez em sua vida. Mas ao mesmo tempo é bonita, inteligente, popular. E isso pareceu incomodar.
Fico me perguntando: como uma personagem tão cheia de defeitos conseguiu de cara o estigma de Mary Sue? Eu não consigo deixar de atribuir isso a uma certa dificuldade que as pessoas tem de aceitar personagens femininas com qualidades o suficiente que as deixem fortes e humanas. Uma Mary Sue é uma personagem perfeita, sem falhas, ela é doce e tudo que ela faz é bom. É como se fosse a encarnação da perfeição na Terra, ninguém as odeia e ela faz todos se apaixonarem por ela, devido ao seu carisma e facilidade de fazer amigos. Algo que a Aquamarine, definitivamente, não é. Mas ela é bonita E inteligente (acreditem: eu recebi um comentário estranhando ela ser bonita e inteligente uma vez!!! Como se fosse um ABSURDO uma mulher possuir essas duas qualidades). Também é rica e popular. Pronto, de cara todas as características negativas dela são apagadas porque ela é uma pessoa privilegiada. É como se personagens feminina nunca pudessem ser fortes o suficiente. Protagonistas de livros precisam aparentar fragilidade, pobreza, feiura (nem que seja ocasionada só por causa de um óculos...) e sempre serem menores e inferiores que o resto dos personagens da trama. Quando as pessoas encontram protagonistas que fogem desse clichê, elas se assustam, porque existe toda uma cultura literária dizendo o tempo todo que as mulheres não podem ser tudo isso ao mesmo tempo. Personagens femininas tem que possuir falhas para serem humanas, mas ao mesmo tempo, as falhas tem que ser BEM MAIORES que as qualidades, porque senão ela é imediatamente desqualificada e não tida como real. Quantos personagens masculinos nós vemos por aí que possuem muitas qualidades, mais até do que seria considerado normal, e NUNCA são chamados de Gary Stu? Pois é. Eu mesma nunca vi esse termo sendo usado pra classificar algum personagem masculino, somente na teoria. 
A questão aqui é a seguinte: a misoginia existe. Não só no mundo real, ela também se arrasta para a literatura, agarrando as personagens femininas e as limitando cada vez mais, colocando rótulos e não as deixando serem o que o autor almejava que elas fossem: reais e humanas.
Podem chamar a Aquamarine de fútil, de chata, de nojenta, de irritante. Podem ter pena dela, podem ter compaixão, podem ter raiva. Mas Mary Sue? Mary Sue eu não aceito, tirem a misoginia de vocês de cima da minha personagem, porque não vai rolar.


Thaísa Lixa